domingo, 12 de outubro de 2008

Contracanto

Há de se pensar
no recuo do mar, no volver da escrita
Vir a desestimar pêndulo pendido
Nova rota do ar

Haveria de mudar
direção do olhar, foco em outras luzes
De dentro pra um outro lar
Fácil daqui, bem dizer:
i-lu-mi-nar

Fácil é saber
Que quando acaso surpreende tal descaso,
fica claro de ver
Luzirá daí, flamejará daqui
Qualquer verá
(mesmo sem toda luz do luar)
Pêndulo pender
Por se encantar.




gabriel

terça-feira, 7 de outubro de 2008

À Matilde Urrutia

Senhora minha muito amada, grande padecimento tive ao escrever-te estes mal-chamados sonetos e bastante me doeram e custaram mas a alegria de oferecê-los é maior que uma campina. Ao propô-lo bem sabia que ao costado de um, por afeição eletiva e elegância, os poetas de todo tempo alinharam rimas que soaram como prataria cristal ou canhonaço. Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira, dei-lhe o som desta opaca e pura substância e assim devem alcançar teus ouvidos. Tu e eu caminhando por bosques e areias, por lagos perdidos, por cinzentas latitudes recolhemos fragmentos de pau puro, de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie. De tais suavíssimos vestígios construí com machado, faca, canivete estes madeirames de amor e edifiquei pequenas casas de quartorze tábuas para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto. Assim estabelecidas minhas razões de amor te entrego esta centúria: sonetos de madeira que só se levantaram porque lhes deste a vida.

Outubro de 1959
Pablo Neruda


O poeta escreve para sua mulher, Matilde, a quem dedica a obra Cem Sonetos de Amor.