sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Colagem


Se o coração disparar
Num castanho-céu
Livre para navegar
Como um enorme carrossel
Você supõe o céu
Afora mundo
Afora tempo
Estou pronto para embarcar

E avisa que eu só vou voltar
No último vagão,
Eu sei.


segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Verde

Ainda que queira mais
É tão verde-fruta
Crescendo pra mim
Regarei os segredos da espera
Com a calma que o tempo pedir

Se o medo vem do desejo
De não sofrer mais
Quem dera que esse medo
Não venha jamais
Impedir que a emoção
Tome forma de amor
Ilumine, seduza, enfim
Traga cor
Traga luz e calor
Feito o mar e a cidade

Uma fogueira de lenha
Sonhos de liberdade
Um sorriso em seu rosto
Corações à vontade


Júnior Almeida

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Põe-se, sol!


foto: João Paes



Põe-se, sol!
Pois, o que o aflige?
A ponto de pôr em chamas
céu que o suspende.

Exploda!
Atraindo olhares em total direito apelativo
pois, tantos quão nem pouco são
brandos e sãos de si próprios
na explosão de suas próprias luzes.

Tantos quais, guardam entre vias e vãos, memórias vivas
que só vêm/vieram a luzir de dentro por sua luz de fora.

Põe-se, sol!
Vindo a queimar fotografias, céu, corações
Traz-nos Vida-verão
e eles o verão em vida;

Ao escrever histórias em lembranças chama-cor,
regadas ao doce e corado sabor
das horas em que tocas o horizonte.
Queime por entediar-se em ser todo usado:
em pranto, sendo casa
e pelo passeio das mãos dadas.

Põe-se, sol
Abrasa!



gabriel

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

three melon tickets to the sound of the sweetest countdown.

domingo, 23 de novembro de 2008

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Quando eu estiver com sessenta e quatro


Quando eu ficar mais velho, perdendo meus cabelos
Muitos anos adiante
Você ainda irá me mandar presentes no dia dos namorados
Saudações no aniversário, garrafa de vinho?
Se eu estiver fora até quinze pras três
Irá trancar a porta?
Você ainda irá precisar de mim, ainda irá me alimentar
Quando eu estiver com sessenta e quatro?

Você estará mais velha também
E se você disser a palavra
Eu poderia ficar com você

Eu posso ser útil, consertando um fusível
Quando suas luzes apagarem
Você poderia me tricotar um suéter perto da lareira
Nas manhãs de domingo iremos dar uma volta
Fazendo o jardim, cavando a erva daninha
Quem poderia pedir por mais?
Você ainda irá precisar de mim, ainda irá me alimentar
Quando eu estiver com sessenta e quatro?

(...)

Mande-me um cartão postal, me manda um telegrama
Informando o ponto de vista
Indique precisamente o que quer dizer
Estás sinceramente, se desperdiçando
Me dê uma resposta, preenche um formulário
Minha para todo o sempre
Você ainda irá precisar de mim, ainda irá me alimentar
Quando eu estiver com sessenta e quatro?


The beatles

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Para rosada

Ele a projetou em sua imaginação e, como de costume ou sem esforço algum, a manteve ali, docemente concreta. Então, olhou-se no espelho: via-se singelo. Tornou-se a olhar, meio que de banda: singelo, sereno... nada mais. Não entendia tal automática e encharcada fisionomia. Era a que, de fato, expunha sempre ao vê-la. Talvez pintaria no rosto o leque de cores do dia, as que sempre via de janela para o mundo e absorvia numa espelhada aquarela interior própria. Talvez, só assim conseguiria decorar o rosto com a arte de releitura mais fiel, que emergia vorazmente de dentro e que vivia ansiosa por exibição.


Já estavam sentados na areia da praia, à convite dele, para ver a primeira lua cheia do novo ano. Ela, regida pelos quartos da lua que era, parada ao seu lado, com seus olhos perfeitamente redondos e vivos, sempre à captar por inteiro os momentos. E dela, as cores de tudo que ele sempre via nela, projetavam-se levemente e de forma pura, forma essa que ele guardara como essência eterna. Era invadido por uma dor prazerosa-pulsante, ritmada pelo coração. Como expressar naquele rosto o que realmente via quando a via? Teria de explicar que nela residiam as auroras de ares refrescantes, o azul, o baunilha espelhado do pôr-do-sol num dia nublado, o violeta alaranjado à luz, as rotas brilhantes de estrelas e de estradas em nuvens. Não iria explicá-la, com palavras certamente seria infiel a ele mesmo. Só a olharia. Olharia como olhava a lua, três certas estrelas e o mar.

Olhou-a com a expressão que era só dela. Enfim, expressou-se:

- Faz-me sereno.
- O céu ou eu?
- Céu teu.

Era-lhe rosa, ela.



gabriel

domingo, 12 de outubro de 2008

Contracanto

Há de se pensar
no recuo do mar, no volver da escrita
Vir a desestimar pêndulo pendido
Nova rota do ar

Haveria de mudar
direção do olhar, foco em outras luzes
De dentro pra um outro lar
Fácil daqui, bem dizer:
i-lu-mi-nar

Fácil é saber
Que quando acaso surpreende tal descaso,
fica claro de ver
Luzirá daí, flamejará daqui
Qualquer verá
(mesmo sem toda luz do luar)
Pêndulo pender
Por se encantar.




gabriel

terça-feira, 7 de outubro de 2008

À Matilde Urrutia

Senhora minha muito amada, grande padecimento tive ao escrever-te estes mal-chamados sonetos e bastante me doeram e custaram mas a alegria de oferecê-los é maior que uma campina. Ao propô-lo bem sabia que ao costado de um, por afeição eletiva e elegância, os poetas de todo tempo alinharam rimas que soaram como prataria cristal ou canhonaço. Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira, dei-lhe o som desta opaca e pura substância e assim devem alcançar teus ouvidos. Tu e eu caminhando por bosques e areias, por lagos perdidos, por cinzentas latitudes recolhemos fragmentos de pau puro, de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie. De tais suavíssimos vestígios construí com machado, faca, canivete estes madeirames de amor e edifiquei pequenas casas de quartorze tábuas para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto. Assim estabelecidas minhas razões de amor te entrego esta centúria: sonetos de madeira que só se levantaram porque lhes deste a vida.

Outubro de 1959
Pablo Neruda


O poeta escreve para sua mulher, Matilde, a quem dedica a obra Cem Sonetos de Amor.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Meu

Só em ver
O olho prevê
O sentir
Aponta e logo ponta
o coração.
Só em ver
- Sabe?



gabriel

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Contato Imediato


Peço por favor
Se alguém de longe me escutar
Que venha aqui pra me buscar
Me leve para passear

No seu disco voador
Como um enorme carrossel
Atravessando o azul do céu
Até pousar no meu quintal

(...)

Vem me levar
Para um lugar
Longe daqui
Livre para navegar
No espaço sideral
Porque sei que sou

Semelhante de você
Diferente de você
Passageiro de você
À espera de você

No seu balão de são joão
Que caia bem na minha mão
Ou numa pipa de papel
Me leve para além do céu
Me leve para além do céu
Me leve para além do céu (...)

Livre para navegar.


Arnaldo Antunes

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Cais de porto preto e branco



Estação cinza
Breve brisa gélida-fel
A desmachar teu palavreado
com estas (até então desconhecidas) pontas de dedos

Carta branca, conteúdo amarelado
Segue entregue a água salgada, por boiar
Mão na cartola, costas pra o mar
A tremular passadas


gabriel

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Cê/Garantia

Me fala das tuas cínicas tão certas certezas, que eu, seguro, sigo cercado de todo doce incerto que sinto.

gabriel

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Breve

Caridosa alegria,
acolheste-me em leito, tal como veludo
quando, franzida, surpreendeste.
Saudosa alegria?
Bailaste na disritmia
cintilando cintilante.
Quando, semifusa-fugaz,
sugaste
saudaste
saiu.


gabriel

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Quero saber

Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender


(Pablo Neruda)

terça-feira, 27 de maio de 2008

Moto-contínuo

Um homem pode ir ao fundo do fundo do fundo se for por você
Um homem pode tapar os buracos do mundo se for por você
Pode inventar qualquer mundo, como um vagabundo se for por você
Basta sonhar com você
Juntar o suco dos sonhos e encher um açude se for por você
A fonte da juventude correndo nas bicas se for por você
Bocas passando saúde com beijos nas bocas se for por você
Homem também pode amar e abraçar e afagar seu ofício porque
Vai habitar o edifício que faz pra você
E no aconchego da pele na pele, da carne na carne, entender
Que homem foi feito direito, do jeito que é feito o prazer
Homem constrói sete usinas usando a energia que vem de você
Homem conduz a alegria que sai das turbinas de volta a você
E cria o moto-contínuo da noite pro dia se for por você
E quando um homem já está de partida, da curva da vida ele vê
Que o seu caminho não foi um caminho sozinho porque

Sabe que um homem vai fundo e vai fundo e vai fundo se for por você.


(Chico Buarque)

domingo, 18 de maio de 2008

Bem-vinda

Entre a paisagem borrada
Anuncia no horizonte a sua chegada
Listrando o violeta no branco
Fez-se luz, então

Bem-vinda
És cor e canto
Meio ao céu em pranto
Nunca se finda

Bem-vinda
És calor e encanto
Meio ao céu em pranto
Nunca se finda


(Gabriel Cerqueira)