terça-feira, 7 de outubro de 2008

À Matilde Urrutia

Senhora minha muito amada, grande padecimento tive ao escrever-te estes mal-chamados sonetos e bastante me doeram e custaram mas a alegria de oferecê-los é maior que uma campina. Ao propô-lo bem sabia que ao costado de um, por afeição eletiva e elegância, os poetas de todo tempo alinharam rimas que soaram como prataria cristal ou canhonaço. Eu, com muita humildade, fiz estes sonetos de madeira, dei-lhe o som desta opaca e pura substância e assim devem alcançar teus ouvidos. Tu e eu caminhando por bosques e areias, por lagos perdidos, por cinzentas latitudes recolhemos fragmentos de pau puro, de lenhos submetidos ao vaivém da água e da intempérie. De tais suavíssimos vestígios construí com machado, faca, canivete estes madeirames de amor e edifiquei pequenas casas de quartorze tábuas para que nelas vivam teus olhos que adoro e canto. Assim estabelecidas minhas razões de amor te entrego esta centúria: sonetos de madeira que só se levantaram porque lhes deste a vida.

Outubro de 1959
Pablo Neruda


O poeta escreve para sua mulher, Matilde, a quem dedica a obra Cem Sonetos de Amor.

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