terça-feira, 4 de novembro de 2008

Para rosada

Ele a projetou em sua imaginação e, como de costume ou sem esforço algum, a manteve ali, docemente concreta. Então, olhou-se no espelho: via-se singelo. Tornou-se a olhar, meio que de banda: singelo, sereno... nada mais. Não entendia tal automática e encharcada fisionomia. Era a que, de fato, expunha sempre ao vê-la. Talvez pintaria no rosto o leque de cores do dia, as que sempre via de janela para o mundo e absorvia numa espelhada aquarela interior própria. Talvez, só assim conseguiria decorar o rosto com a arte de releitura mais fiel, que emergia vorazmente de dentro e que vivia ansiosa por exibição.


Já estavam sentados na areia da praia, à convite dele, para ver a primeira lua cheia do novo ano. Ela, regida pelos quartos da lua que era, parada ao seu lado, com seus olhos perfeitamente redondos e vivos, sempre à captar por inteiro os momentos. E dela, as cores de tudo que ele sempre via nela, projetavam-se levemente e de forma pura, forma essa que ele guardara como essência eterna. Era invadido por uma dor prazerosa-pulsante, ritmada pelo coração. Como expressar naquele rosto o que realmente via quando a via? Teria de explicar que nela residiam as auroras de ares refrescantes, o azul, o baunilha espelhado do pôr-do-sol num dia nublado, o violeta alaranjado à luz, as rotas brilhantes de estrelas e de estradas em nuvens. Não iria explicá-la, com palavras certamente seria infiel a ele mesmo. Só a olharia. Olharia como olhava a lua, três certas estrelas e o mar.

Olhou-a com a expressão que era só dela. Enfim, expressou-se:

- Faz-me sereno.
- O céu ou eu?
- Céu teu.

Era-lhe rosa, ela.



gabriel

Nenhum comentário: