Meus
ouvidos sempre me serviram de janela pro mundo. São generosos quando, num
clarão, sem avisos, me trazem as melodias que passeiam silenciosas por aí, as
acolhem em mim e, num estalar de tempo meio incompreensível, eu recebo um
presente e uma mensagem, como quem diz: “entoa elas pro mundo, devolve elas pra
outros ouvidos”. Mas nesses dias desbotados que vêm se seguindo, eles andam a
faltar comigo.
Sou
de perder as horas. Sou de perder a hora de chegar ao cinema. Sou de chegar
quando já escureceu e de sentar logo na frente pra não perder as primeiras cenas.
Mas nesses dias desbotados, os meus ouvidos têm me atiçado atenção pras vozes
de trás, como quem tateia cego cada sussurro da sessão. Eu os acompanho com
inconsciência e voz guia, mimeografando uma por uma: “essa não.. essa é aguda
demais.. indelicada de doer, cara.. pode ser, ouve mais.. não, ri de
desespero.. essa até que fala manso.. espera o fim da sessão..”. A sessão chega
ao fim e as luzes deixam meus olhos comprovarem o “andar em falta”. Eles sabem
como seria encontrar. Eles bem sabem que o ouvir viria em tons tão doces quanto os tons que compõem a tranquilidade. E a sala de cinema é tão pequena,
sabe? Meus ouvidos bem que podiam te encontrar. Eles bem que podiam me trazer a tua
voz.
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